A Coragem de Calar

A coragem de fechar a boca, apesar da artilharia!
A linha rosa e silenciosa, um verme, aquecendo-se.
Existem discos pretos atrás dele, os discos da indignação,
E a indignação de um céu, o cérebro alinhado.
Os discos giram, pedem para serem ouvidos - 

Carregados, como estão, com relatos de bastardias.
Bastardias, usos, deserções e duplicidade,
A agulha viajando em sua ranhura,
Besta prateada entre dois desfiladeiros escuros,
Um grande cirurgião, agora um tatuador, 

Tatuando sempre as mesmas queixas azuis,
As cobras, os bébés, os seios
Em sereias e raparigas de sonho de duas pernas.
O cirurgião aquieta-se, não fala.
Já viu muitas mortes, as mãos estão cheias delas. 

Assim, os discos do cérebro giram, como as bocas de um canhão.
Depois, há aquela tesoura antiga, a língua,
Infatigável, roxa. Deve ser cortada?
Tem nove caudas, é perigosa.
E o barulho sibilante do ar, quando começa! 

Não, a língua também foi por ele traçada,
Pendurada na biblioteca com as gravuras de Rangoon
E as cabeças de raposa, as cabeças de lontra, as cabeças de coelhos mortos.
É um objecto maravilhoso -
As coisas que em seu tempo perfurou.

Mas e os olhos, os olhos, os olhos?
Os espelhos podem matar e falar, são quartos terríveis
Em que uma tortura acontece, só podemos assistir.
O rosto que viveu neste espelho é o rosto de um homem morto.
Não se preocupem com os olhos - 

Podem ser brancos e tímidos, não delatores,
Os seus raios mortos dobrados como bandeiras
De um país de que não se ouviu mais,
Uma independência obstinada
Insolvente entre as montanhas.




The Collected Poems | Sylvia Plath
© 1981 The Estate of Sylvia Plath 
Editorial material © 1981 Ted Hughes
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa 

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